Por que se importar com essa causa animal?
Essa é uma indagação que, espera-se, fique ultrapassada em pouco tempo. Em breve, não mais se perguntará por que a causa animal, mas de que forma engajar-se nela, como atuar ativamente em defesa daqueles seres queridos que nos acompanham e compartilham da nossa existência desde cedo. Em tenra idade já socializamos com o “miau” ou o “au-au” vizinho, personagens também cristalizadas no imaginário infantil pelos desenhos animados e as histórias em quadrinhos. A relação da humanidade com os animais é antiga, na história e na nossa trajetória individual. Cada época teve uma maneira de encará-la e, nos tempos atuais, muito mais do que antes, estamos incumbidos de um cuidado redobrado em um processo de empatia mútua e envolvente.
Segundo o IBGE, hoje, os cães estão presentes em 44% dos lares, e os gatos em 17% dos domicílios do país. Isso representa um universo de mais de 55 milhões de brasileiras e brasileiros convivendo com esses dois animais domésticos. Mas o compromisso, no entanto, extravasa os limites de casa. Os bichos não se expressam pela linguagem verbal, mas se comunicam de formas até mais complexas: decodificar suas mensagens, mais que um exercício é, muitas vezes, um prazer. Demonstram a dependência dos humanos sem abrir mão de sua personalidade. Foram, e infelizmente ainda são, vítimas de descaso, maus-tratos e omissão, com o poder público dando de ombros para cães e gatos perdidos pela rua, esquecidos, relegados à própria sorte. Já chega!
Porto Alegre e o Rio Grande têm uma história na defesa dos animais e do ambientalismo. Henrique Luís Roessler, José Lutzenberger e Palmira Gobbi são gaúchos pioneiros no Brasil, autores de um legado inestimável e que cabe a nós cada vez mais expandir. Para uma protetora e protetor, a causa animal não se trata de escolha, é uma condição que apresenta-se já na infância, quando tentamos evitar que um irmão acerte um pássaro com a funda, ou que os meninos deem um banho em um gatinho. Com o amadurecimento, percebemos que a responsabilidade vai além, e que o cuidado engloba questões de saúde pública e também uma dimensão social. A contenção da população de cães e gatos nas cidades é a primeira medida para deter a expansão de doenças. A fiscalização aos maus-tratos caminha ao lado. Ainda que com suas falhas, e a principal delas é não tratar os crimes contra animais como atos contra indivíduos, a legislação existente (o artigo 225 da Constituição Federal e a Lei nº 9605/98) nos ampara nessa tarefa vigilante da qual já não mais podemos nos dissociar.
É dever nosso lembrar, permanentemente, as comprovações científicas dando conta de que os animais são seres sencientes, ou seja, possuem memória auditiva, olfativa e visual, além de sentimentos, sensibilidades e sensações, que permitem que estabeleçam vínculos afetivos, especialmente com os animais humanos. Decorre daí o fato de serem, sim, titulares de bens jurídico-penais que lhes asseguram integridade física, bem-estar e, sobretudo, o direito à vida. Por essa perspectiva, um ato de crueldade não se resume apenas à covardia que traz embutida. É um crime contra toda a sociedade, pois agride também seu sentido de preservação orgânica, pelo qual o caráter pusilânime jamais pode ser tolerado.
A causa animal une-se à sustentabilidade como uma forma de ser, de conduzir a vida no cotidiano a partir de determinadas perspectivas. O prefixo Eco, de Ecologia, vem do grego Oikos, o que é relativo à casa. O termo Ecologia, portanto, seria o estudo, a conservação e o cultivo das coisas da casa. Não há definição mais feliz se pensarmos que é no Planeta Terra onde transcorre a nossa curta existência, é nele que estabeleceremos nossos laços sentimentais e de afetos, e é nele que deixaremos nossos descendentes. A preocupação ecológica com o ambiente é, portanto, a preocupação com o que nos está próximo, com a herança natural que legaremos. Virar as costas para isso é uma forma de descuidar da própria vida e daqueles que amamos. O ser humano sustentável é um ideal de vida a ser vivido agora, no presente!
O respeito à vida
A Carta da Terra, resultado de mais de uma década de discussões, fala sobre “Respeitar e Cuidar da Comunidade da Vida” e orienta que devemos “proteger e restaurar a integridade dos sistemas ecológicos da Terra, com especial preocupação pela diversidade biológica e pelos processos naturais que sustentam a vida”. A conservação ambiental e a reabilitação devem fazer parte integral de todas as iniciativas de desenvolvimento, por meio de planos e regulamentações em todos os níveis. Não se trata de impedir o progresso, pelo contrário, é uma forma de encarar a promoção da vida como uma oportunidade inestimável de investimento, para além das cifras.
O Papa Francisco refere-seà Terra como a “casa comum”. É uma bela metáfora, reveladora de outra responsabilidade: a defesa da sustentabilidade deve vir acompanhada da busca por um mundo socialmente mais justo, inclusivo e acolhedor. No Brasil, a desigualdade social, algo a ser combatido sempre por quem está na vida pública, é comumente colocada como um obstáculo etéreo, abstrato, intangível, cuja resolução soa quase como impossível. Nós a percebemos como uma questão que não pode ser enfrentada de modo apartado da causa animal e da sustentabilidade ambiental: são esforços que demandam empenhos integrados, em rede, sem soluções que se ofereçam facilmente ou de forma mágica, em um desafio a ser vencido pela prática diária.
A modernidade consagrou o pensamento do sofista grego Protágoras de que o “homem é a medida de todas as coisas”. Para o bem do próprio homem, essa é uma máxima que se torna cada vez mais sem sentido. Trata-se de um modelo de pensamento pelo qual não é mais possível explicar a complexidade da vida na contemporaneidade. Pensar de forma conjunta nos animais e no meio ambiente já não é mais questão de opção, mas um modo de ser no transcurso de uma existência que, da maneira como nos foi concedida, é única. Trata-se de um alerta permanente contra o egoísmo, a indiferença e a irresponsabilidade. Não se engajar é ficar de fora de um compromisso coletivo. É, enfim, isolar-se frente as causas mais profícuas, principalmente se sempre tivermos em mente que somos iguais no amor e a vida é o bem maior!